Preço alto e burocracia em aluguel de casa levam imigrantes para ocupações sem-teto

Por: Leandro Machado
Da BBC Brasil, em São Paulo 05/05/201806h23
Em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2018/05/05/preco-alto-e-burocracia-em-aluguel-de-casa-levam-imigrantes-para-ocupacoes-sem-teto.htm

Na porta de seu quartinho, a boliviana Virginia Paulina explica como foi parar no 9º andar de uma ocupação sem-teto no centro de São Paulo: “Fui expulsa do apartamento onde eu morava”.

Para ela e o marido, trabalhadores da área têxtil, era difícil manter uma casa que custava R$ 1.500 por mês – sem contar a energia elétrica, água, telefone. “A gente trabalhava só para pagar o aluguel”, conta. O bolso apertou e o aluguel atrasou um mês, dois, três. Um dia, o proprietário pediu que o casal e seus quatro filhos se retirassem.

Essa trajetória tem sido comum entre muitos imigrantes e refugiados que chegam em São Paulo. Com dificuldades para se manter, eles acabam engrossando as fileiras de movimentos sociais de moradia e lotando quartos em ocupações da cidade.

No prédio Wilton Paes de Almeida, que desabou e matou ao menos uma pessoa durante um incêndio, cerca de 25% dos moradores eram estrangeiros, segundo um cadastro feito pela prefeitura em março. A maior parte era de angolanos (17), mas havia também peruanos (4), bolivianos (3) e dominicanos (2), entre outros.

Na ocupação Prestes Maia, onde a boliviana Virginia mora, há estrangeiros em quase todos os andares. São 21 pavimentos em um prédio e nove em outro, acessados apenas por escadas pois não há elevadores. O local tem 470 famílias – cerca de 2.000 moradores.
Virginia encara a ocupação como um refúgio, um local onde encontrou certa calma depois das agruras de uma imigrante boliviana em São Paulo.

Ela chegou ao Brasil em 2001, quando tinha apenas 21 anos. “Era uma época difícil na Bolívia”, conta. Deixou La Paz com a promessa de que, em São Paulo, trabalharia como empregada doméstica. Porém, a esperança caiu por terra quando, no primeiro dia na cidade, descobriu que ficaria presa em uma oficina de costura na Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte.

Foi escrava por um ano, trabalhando sem receber salário e sem poder sair do local.

“O chefe da oficina me ameaçava, não deixava eu sair. Como eu não tinha visto, ele dizia que a Polícia Federal estava caçando bolivianos e que eu seria presa”, conta, enquanto sua filha de quatro anos pinta um desenho em um livro didático.

Virginia e seu marido tiveram de fugir da trabalho e da escravidão. Por anos, eles vagaram entre confecções da cidade, até abrir uma pequena oficina de costura em um apartamento do Bom Retiro. Ficaram dois anos, mas o preço do aluguel era impraticável. “Ou a gente comia ou pagava o aluguel”, diz Virginia.

Foram despejados.

Burocracias do aluguel

Segundo Marcelo Haydu, coordenador do Instituto de Reintegração do Refugiado, o preço alto do aluguel na cidade é um dos principais fatores que têm levado estrangeiros para ocupações.

Em São Paulo, o valor médio por metro quadrado é de R$ 35,86 para locação, de acordo com o índice FipeZap. Isso significa que, para alugar uma casa de 30 m², por exemplo, seria preciso desembolsar R$ 1.075 por mês, em média.

Haydu cita outro fator: para locar um espaço, imobiliárias exigem fiador, seguro ou depósito antecipado. “Como um imigrante que chega no país em situação de vulnerabilidade consegue ultrapassar essa burocracia? Ele chega às vezes sem falar uma palavra de português, com pouco dinheiro no bolso, sem documentos. Conseguir fiador já é difícil para brasileiros, imagina para eles”, diz.

O resultado é que muitos estrangeiros acabam se instalando em ocupações ou em bairros da periferia da cidade, como Guaianases e Itaquera, no extremo leste. Nesses locais, eles negociam o aluguel diretamente com o proprietário, que normalmente não fazem as mesmas exigências das imobiliárias da região central.

Casa ou comida
Virginia foi morar na ocupação Prestes Maia depois do despejo. Ali, seus custos são menores.

Situação parecida viveu o costureiro boliviano Adolfo Marma, de 48 anos, que também trabalhou em situação de escravidão antes de chegar ao prédio de sem-teto no centro. “Nossa renda é de R$ 1.400. Se você paga um aluguel de R$ 1.000, não sobra quase nada para comer”, diz.

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Posted by Alvarenga Milton

May 7, 2018